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Como uma flor que desperta pela manhã com o primeiro raio de sol, que deixa cair a última gota de orvalho, eu vou despertando com o tempo que o tempo demora a passar. O tempo é lento, não se vê. Mas se olhares fixamente, sem desviar o olhar para outras coisas, para outras flores, talvez consigas ter a percepção da sua existência. Se assim não fizeres, a flor vai parecer sempre igual. A não ser que só voltes a olhá-la, pelo anoitecer. Aí muito tempo já terá passado, e nada permanecerá igual. Nem a flor será a mesma, nem os teus olhos verão da mesma forma...
(imagem retirada da net)
Sento-me a ouvir a chuva cair… Cai forte lá fora… firme e segura.
Penso que hoje podia ser um dia para ficar triste, ou revoltar-me, ou até ficar indiferente, passiva, e não colocar nada de mim neste dia. Mas não, não foi isso que eu escolhi. Hoje foi um dia de decisões subtis mas importantes. Hoje decidi caminhar para a minha liberdade.
Aquilo que vou dizer pode não parecer motivo de orgulho ao primeiro olhar, mas foi um passo dos maiores que já dei na minha direcção. Hoje pus um ponto final definitivo a uma (suposta) amizade. Uma relação que há muito não me dava nada de bom, ainda que eu tentasse ver nela algo de bom. Mas tantas vezes se leva com a porta na cara, que um dia é preciso ter a coragem de dizer basta. O meu limite foi o do respeito próprio. Há coisas que se ouvem que, depois de toleradas a primeira vez, perdemos completamente o direito de as repudiar. Permitir que alguém nos desrespeite, e estar consciente disso, é desrespeitarmo-nos ainda mais a nós próprios do que o outro. E eu hoje disse “Basta!”. Ninguém que me trata como lixo merece o meu respeito, porque o respeito, assim como a amizade e a confiança, é algo que se conquista. A gratuitidade deste sentimento não dura além dos primeiros segundos do primeiro contacto entre duas pessoas.
Mas o meu primeiro passo foi bem mais longe que isto. O dia não podia ter ficado apenas pelo fim de algo, mas também pelo início. E como todos os inícios, o que vem a seguir é sempre uma incógnita, uma incerteza, que depende mais de nós do que à primeira vista possa parecer. Que depende demais dos nossos sorrisos para que corra bem. Que depende de sermos cada vez mais nós próprios, para que nenhuma das partes se confunda e se iluda, porque a desilusão é cruel. Espalha-se como veneno nas veias. E dói, que nem queimadura por debaixo da pele.
E é sentada neste recanto, que me imagino caminhando descalça lá fora, com a chuva apaziguando as minhas queimaduras… as minhas cicatrizes…
Não escrevo mais como antes, pois tudo o que era motivo agora é bloqueio. Não escrevo mais como antes, com aquelas músicas de fundo, que emanavam uma frequência certeira para o meu coração, que fazia libertar os meus anjos… agora sinto apenas os meus demónios, surdos.
Eles não pedem música, só o silêncio. Um silêncio tenebroso, sombrio, cerrado. Esse silêncio que eu tanto temia. Esse silêncio que agora está em todo o lado, se calhar com o propósito de que eu o enfrente, de que eu aprenda a suportá-lo, de que eu o aceite como parte de mim. A verdade é que ele faz mesmo parte de mim. E eu tenho medo dele, medo que ele se apodere do meu espaço e do meu tempo, e não deixe mais tempo nem espaço para a melodia que soava antes, de fora para dentro de mim, e do meu cerne para as letras unidas, e para os momentos que delas nasciam...
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